Afastado dos centros urbanos onde as notícias nacionais e internacionais encontram mais meios de difusão e acolhimento, tomo conhecimento de como vai o nosso mundo, através da net.
Não consigo acertar com os horários dos serviços informativos da TV, pois disperso o olhar pela pacatez do canal de São Jorge e pela lonjura da Terceira. Em noites claras, vislumbro com grande nitidez a iluminação pública da Serreta até São Mateus e, de imediato, viajo nas ruas de Angra, a partir do Alto das Covas, onde tantas vezes admirei a Montanha do Pico, emergindo esbelta por detrás de São Jorge.
Aqui me quedo, nestes dias solarengos, no meio de currais de vinha, faias e incensos aguardando que o cair do dia exale o perfume das boas-noites e o canto das cagarras.
O tempo é que marca a vida desta gente.
“O vento vai virar, amanhã, para nordeste e o mar na baía da Engrade vai acalmar. Amanhã vamos tomar um bom banho!” - anuncia o meu vizinho Soares. E continua: “É assim. Já sou muito velho e tenho medo de ir sozinho ao mar. Antigamente, não! A mulher às vezes vinha, ficava ali, no alto... mas agora é diferente. Já tenho muitos anos!” - acrescentava como que a convencer-se de uma velhice que ainda não o incomoda.
Esta manhã, fui visitar a minha vizinha Felismina, à sua antiga adega.
Conheço-as desde criança, quando para aqui vinhamos passar os meses do estio, até ao ciclone do João Lacerda. O marido, outrora homem forte e trabalhador, está pr'ali. A vista faltou-lhe e ...”já não há remédio. O doutor queria operar-me, mas p'ra quê? Já sou velho!... Estou pr'aqui até Deus querer!”
“O senhor conhecia o Manuel da Ermelinda? Ontem deu-lhe um AVC e foi para o Hospital da Horta.” E continuou a Gertrudes: “Olhe, o José da Canada, um homem novo e perfeito, teve um enfarte...só doenças...mas o que é que se há-de fazer?”
Não sou muito recetivo a este tipo de novidades e comecei a incomodar-me com tanta maleita. Esta gente, só tem acesso a um clínico geral, de longe em longe, pois cardiologia ou neuro-cirurgia são especialidades raras de difícil acesso, a não ser em casos urgentes e no Hospital da Horta.
A doença é que faz a atualidade informativa dos meios pequenos, carenciados de cuidados médicos e de segurança de vida. Até pelas festas e encontros mais festivos, o tema de conversa é, normalmente, este.
Afastados da atualidade nacional, nada diz a esta gente que o Ministro das Finanças tenha ido embora, que o Secretário de Estado do Tesouro tenha apresentado a demissão e, muito menos, por causa das “swaps” - palavra que muito poucos sabem o que quer dizer.
O tempo, sim! esse dita a vida do povo que vive da terra. Ouve-se a previsão meteorológica, em silêncio. Mar de leste ou de noroeste, chuva ou sol, significam alterações importantes na vida de pescadores e lavradores, que normalmente se unificam.
As uvas começam já a pintar, como diz o velho ditado:”Pelo São Lourenço (10 de Agosto) vai à vinha e enche o lenço”, mas ninguém acredita que o Santo mártir do século III, encha as adegas de uvas, pois o mar de leste, arrasou tudo.
Ao menos que do mar venham boas pescarias de bonito, já que a construção civil mandou muita gente para casa.
É este o pão-nosso-de-cada-dia destes lugares.
Nem o aproximar de eleições faz com que alguém se chegue mais à TV para saber novidades. Muito menos para escutar informações que respeitam a outros mundos distantes. Os próprios emigrantes, regressados por algumas semanas, refugiam as suas cautelas e incertezas “neste cantinho do céu”, onde guardam poupanças de anos, sem se importarem com a situação financeira dos seus bancos. Já ninguém se recorda da falência do Banco do Faial, nos anos 30 do século passado.
Há instituições públicas cuja credibilidade o povo não questiona, se bem que se admire com os “casos” que, de tempos a tempos, nelas ocorrem.
Na mentalidade rural existe um forte espírito de perdão proveniente da moral cristã. Há também outros valores fundamentais muito apreciados: a honradez, a honestidade, o respeito pela propriedade e a capacidade de trabalho. Nada que se configure com as “guerras” políticas e partidárias em torno das “mentiras” e desmandos de políticos, cujo descrédito é cada vez maior junto das populações.
Neste mundo globalizado, onde a informação não tem limites, há resistências e fronteiras que permanecem invioladas e que constroem e sustentam as periferias. Por quanto tempo mais?
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